Descubra a profunda relação entre transbordo emocional e liderança eficaz. Uma experiência pessoal revela como o que você sente afeta diretamente sua equipe. Leia mais!
Transbordo e liderança: Qual a relação e o impacto nas equipes?
Começando pelo conceito de transbordo emocional, gosto de explicar usando uma experiência pessoal, algo que demorei a aprender e que paguei um preço muito alto em ter entendido isso tão tarde em minha vida. Compreender como nossas emoções na liderança afetam diretamente aqueles ao nosso redor é crucial.
Entendendo o “transbordo”: Uma analogia da vida real
Para ilustrar o que quero dizer, vou começar com algo que seja tangível e com um transbordo que talvez seja o mais comum entre todos, que é de transbordar para nossos filhos. Bom, vamos lá! Imagina então que você tem R$100,00 guardados em sua carteira e seu filho lhe pede, naquele momento, R$200,00. É possível atender ao seu filho naquele momento? Infelizmente não, sua carteira não está cheia o suficiente para que possa “derramar” sobre seu filho o valor que ele pediu.
Agora, imagine que você não apenas tem mais de R$ 1.000,00 em sua carteira, como também tem boas reservas no banco, valores investidos, e não há nenhuma necessidade em sua casa, tudo parece conspirar pelo merecimento do seu filho. Então, naquela hora você transborda aquele pedido com alegria, sem sequer precisar se diminuir para isso, certo?
Essa lógica é óbvia quando contada usando filhos e dinheiro, não é mesmo? Mas o aprendizado que me custou um preço muito alto foi entender, tardiamente, que esta lógica pode ser aplicada exatamente da mesma maneira para coisas não tão tangíveis, ou menos “objetivas”, como os sentimentos. Este é o “x da questão” do impacto emocional do líder.
Uma Jornada Pessoal: Medo, culpa e o despertar para o transbordo
Sou pai de duas meninas incríveis: Helena, de 13 anos, e Valentina, de 11. Valentina nasceu com acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo. (aquie vale uma nota importante: embora eu tenha acostumado minha filha com o termo “anã”, sabendo que o mundo pode usá-lo, a comunidade prefere “pessoa com nanismo” ou “pessoa de baixa estatura”. Evitem rótulos que possam ferir).
Desde o nascimento da Valentina, o medo do desconhecido foi o primeiro a se instalar intensamente dentro de mim. Este medo foi agravado pelo fato de que há riscos consideráveis de morte súbita em crianças com nanismos, principalmente nos dois primeiros anos. Além disso, há diversos distúrbios como de sono, respiração e audição, dado que os órgãos internos tem um tamanho comum, os ossos não crescem como os da maioria, e assim também ocorre com as passagens internas aos ossos, que podem ser tão estreitas a ponto de interromper a vida subitamente.
Tudo parecia bem com a Valentina, apesar de uma oxigenação abaixo dos padrões logo nas primeiras horas após o nascimento. Mas ainda no hospital, fizemos o teste do ouvidinho e não foi detectada audição. Repetimos o teste cinco vezes durante os meses seguintes, sem sucesso. Eu estava cheio de um medo de que ela fosse surda e, para tentar diagnosticar a escuta eu mesmo, chegava em casa todos os dias e ficava fazendo ruídos perto do ouvido dela, tentando identificar uma reação, sem perceber, tornei estes barulhos cada vez mais intensos.
Além disso, nos primeiros anos da vida da Valen, mergulhei na internet, buscando desesperadamente uma “causa” para a acondroplasia. De onde vem a acondroplasia? Vem do pai? Da mãe? É causado por alguma comorbidade de um dos dois? Bom gente, não é preciso dizer que eu realmente procurava, sem perceber, um culpado. Fica muito claro que eu além de cheio de medo, estava entupido de culpa. Este estado interno é o que, sem saber, eu estava “transbordando”.
O Transbordo é Inevitável: Lições dolorosas e a realidade do impacto
Eu me achava um bom pai (na verdade sempre fiz o melhor que pude com o que eu tinha disponível), chegava sempre com esses pensamentos e com a carga do trabalho, mas quando entrava pela porta de casa, achava realmente que conseguia deixar tudo do que eu estava cheio lá fora… grande ilusão! A gestão emocional, ou a falta dela, sempre se manifesta. O primeiro soco no estomago tomei no segundo réveillon da Valentina, quando percebi que ela adorava ver a queima de fogos, mas morria de medo e tapava os ouvidos. Eu tinha tanto medo que ela fosse surda que transbordei nela o medo do barulho. Naquele momento eu já tinha certeza de que eu era culpado por aquilo, mas ainda não entendia como exatamente eu tinha dado causa.
Mas foi por volta dos 5 ou 6 anos que a ficha realmente caiu. Nesta idade Valentina aprendeu a escrever as primeiras palavrinhas. Até então, sempre recebia nas festinhas da escola aqueles desenhos lindos no dia dos pais, mães ou dia da família. Mas entre os 5 para 6 anos, recebemos uma cartinha que estava escrito com sua letrinha ainda bem infantil: “Obrigada por cuidar de mim, mesmo eu tendo esse probleminha”. Naquele instante, meu mundo desabou, eu chorava copiosamente e na hora ficou claro para mim que eu havia transbordado para ela toda a minha busca pela culpa e ela, em sua inocência, sentia-se um “probleminha”, sentia-se culpada por sua condição.
A Conexão Crucial: Transbordo emocional e a liderança atemporal
Bom, mas e aí, onde entra a liderança eficaz nesta questão de transbordo? Essa experiência pessoal, dolorosa, mas transformadora, tem um paralelo direto com a liderança – especialmente com o que chamo de líder atemporal. Um líder que transcende modismos e deixa um legado positivo não o faz por acaso. Ele compreende, instintiva ou conscientemente, o princípio do transbordo. Este é um pilar, dentre vários, do desenvolvimento de líderes.
Quando queremos transbordar para alguém alguma coisa, precisamos em primeiro lugar ter aquilo em nós, preferencialmente, estarmos cheios daquilo. Um líder então, precisa em primeiro lugar ser líder de si mesmo, e saber se encher daquilo que quer transmitir. É ir além da “liderança por meio do exemplo”, que é uma característica básica de todo líder, mas aqui no transbordo, estendemos a capacidade de dar o exemplo para o transbordar o nosso conhecimento, inspirar, ensinar e dar o apoio necessário para que sua equipe consiga atingir os resultados. Este processo de autoconhecimento na liderança é vital.
Aqui estamos falando de características comportamentais e emocionais do líder, mas aquilo que ele dominar tecnicamente também poderá transbordar da mesma forma. Reconhecer suas falhas e incompetências, também é sabedoria. Outras pessoas podem e devem nos complementar e também serem inspiradas por nós para se levantarem como líderes e transformarem os colegas. A verdadeira liderança nunca será uma posição ou um cargo nas empresas.
Características do “Líder Atemporal” e o princípio do transbordo positivo
- Autoconsciência e Gestão Emocional: O líder atemporal sabe que não pode dar o que não tem. Ele investe em seu próprio bem-estar emocional e mental. Reconhece seus “gatilhos”, suas “culpas” internas, e trabalha ativamente para processá-las, para que não “vazem” para a equipe sob a forma de impaciência, microgerenciamento ou negatividade. Assim como eu estava cheio de culpa, um líder pode estar cheio de medo, insegurança ou frustração – e isso inevitavelmente transbordará e, a má notícia: Fingir o contrário não irá durar muito tempo. A inteligência emocional é chave.
- Autenticidade (O Corpo Não Mente): A liderança autêntica é genuína. Não se sustenta em fachadas. A equipe sente quando o discurso do líder não condiz com sua energia, com suas microexpressões, com seu comportamento. As incongruências, com mais ou menos tempo, serão percebidas.
- Empatia Construtiva: Compreendendo que suas emoções impactam o ambiente, o líder atemporal cultiva empatia não apenas para entender o outro, mas para modular sua própria contribuição emocional ao sistema. Ele se pergunta: “Do que minha equipe precisa que eu esteja cheio hoje? De calma? De entusiasmo? De resiliência?”. Cuidado, aplique aqui o conceito verdadeiro da empatia, muitos erram feio neste ponto! Isso fortalece a cultura organizacional.
- Criação de um Ambiente Positivo: Um líder que está cheio de otimismo, propósito e reconhecimento transborda essas qualidades, fomentando uma cultura onde as pessoas se sentem seguras, valorizadas e motivadas a também transbordar o seu melhor.
- Visão Inspiradora: Quando um líder está genuinamente cheio de uma visão clara e apaixonante sobre o futuro, ele transborda essa convicção. As pessoas não seguem apenas planos; elas seguem a energia, a fé que emana de quem as lidera. A verdade é que relação das pessoas com as empresas está muito mais ligada ao seu líder do que a empresa em si.
- Resiliência Contagiante: Em tempos de crise, se o líder está internamente ancorado na esperança e na capacidade de superação, ele transborda essa resiliência para a equipe, ajudando todos a navegarem pelas adversidades com mais força.
O Convite Final: Líder, Do Que Você Está se Enchendo?
A lição da cartinha da Valentina foi dura, mas essencial. Ela me ensinou que a responsabilidade pelo que transmitimos é imensa. Isso vale para a paternidade, para as amizades, para os relacionamentos amorosos e, crucialmente, para a liderança profissional.
Seja líder de si mesmo, seja líder de seus filhos e talvez poderá ser um líder verdadeiramente relevante em seu ambiente profissional! Lembre-se de que liderança não é um cargo. Um verdadeiro líder surge muito antes de ser promovido. O desafio que faço a você agora é o mesmo que me faço diariamente: Do que você está se enchendo? O que você lê? O que você vê? O que você escuta? O que você estuda? Quais são seus assuntos? Como você reage aos problemas e dificuldades? O que você poderá verdadeiramente transbordar para o mundo, para sua família, para sua equipe é aquilo de que você está cheio. Deixa de lado reclamações, fofocas, tristezas e escolha se encher de luz, de propósito, de felicidade. O mundo, e especialmente aqueles a sua volta, agradecem.
Perguntas Frequentes (FAQ) sobre transbordo emocional e liderança
- P: O que é exatamente o “transbordo emocional” no contexto da liderança?
- R: É o processo, muitas vezes inconsciente, pelo qual o estado emocional interno de um líder (seus medos, alegrias, estresse, confiança, etc.) se manifesta e influencia o humor, o comportamento e a performance de sua equipe.
- P: Como um líder pode se tornar mais consciente do que está transbordando?
- R: Normalmente a equipe é o retrato do líder, com uma simples observação do seu time com o objetivo de fazer uma autocrítica, poderá revelar muito sobre você. Busque ainda feedback honesto e observe atentamente o clima geral da equipe. Ah, e antes que você não concorde que a equipe é o seu reflexo, você deveria ter autonomia para gerenciar seu time.
- P: Quais são os primeiros passos para um líder começar a transbordar emoções mais positivas?
- R: Começar por cuidar do próprio bem-estar emocional. Por exemplo, um líder deve buscar seu desenvolvimento pessoal, emocional, espiritual, com a família e, obviamente, profissional. Focar em preencher-se com aquilo que deseja transmitir (ex: conhecimento, calma, otimismo).
- P: O transbordo emocional afeta apenas equipes pequenas ou também grandes organizações?
- R: Afeta todos os níveis e em todas as direções. Em grandes organizações, o transbordo do alto escalão pode cascatear e moldar toda a cultura da empresa.